quarta-feira, maio 10, 2006

 

«Lisboetas»

Na segunda-feira passada fui ver «Lisboetas», em exibição no NIMAS, com a sala praticamente esgotada, provavelmente devido ao facto do filme ter ganho o primeiro prémio no festival IndieLisboa.
A película começa com uma série de carcaças de carne a serem descarregadas num mercado - mais tarde perceberia, através duma crítica lida, que aquilo era uma metáfora à «carne para canhão» que os imigrantes ilegais são no nosso país, mas não me parece que o intelecto da maioria das pessoas esteja a tão refinado nível. O meu, pelo menos, não estava.
Sucedem-se depois imagens variadas ao longo do documentário, primeiro do desespero que são as burocracias e a impessoalidade/insensibilidade com que são tratadas essas pessoas quando se tentam legalizar; meia dúzia de alunos numa escola de portugueses para estrangeiros; o terminal do Campo Grande ao nascer do sol, onde capachos dos patos-bravos da construção civil tentam "regatear" preços muito baixos para levar homens para as obras (sem contratos nem garantias, tudo trinta e um de boca, claro); um "ké frô?" a vender rosas de mesa em mesa em esplanadas à noite, sendo consecutivamente mal sucedido no seu negócio, e acabando a noite junto de compadres de infortúnio à beira rio, enquanto a cidade dorme; consultas num posto médico móvel sito em Sta Apolónia, onde os pacientes relembram vidas passadas, em que eram - por exemplo - pilotos da Força Aérea, enquanto agora dormem em caixas de cartão e têm os pés em chaga por andarem com sapatos cambados, que não são o seu número, sem meias...
Uma imagem recorrente ao longo do filme são as chamadas telefónicas, feitas de cabines ou de telemóveis, para familiares ou amigos, com promessas de retorno a casa, ou - contrariamente - tentando persuadir o outro a juntar-se cá «onde a vida é muito melhor».
Mas não existe um padrão homogéneo entre os protagonistas: para uns, a vinda para Portugal representa uma derrota, uma vez que eram quadros superiores nos países de origem (europa de Leste, na esmagadora maioria). Para outros representa uma vitória, espécie de sonho tornado realidade, já que viviam em condições (ainda) mais piores (em África ou no Brasil), por muito que isso nos seja difiícil de conceber.
Imagens de crianças brincado na praia ou chapinhando no chafariz do Martim Moniz passam pontualmente, como que evocando uma felicidade ingénua naquele que é o único mundo que conhecem.
Na minha opinião, o documentário está demasiado centrado nos homens. Poucas vezes se vêem mulheres, ou porque estão nos países de origem, cuidando do resto da família e juntado dinheiro para um dia virem também, ou porque pura e simplesmente as suas vidas não são exploradas. É um aspecto onde a realização peca, porque se os homens imigrantes têm perante si o duro mercado negro que é o da construção civil, as mulheres têm o da prostituição, muitas vezes são esposas, mães e trabalhadoras "ex aequo", e dava uma perspectiva mais variada se as abrangesse também. Até porque a sua presença no país não passa nada despercebida.
Para além da clandestinidade e da miséria que liga os personagens, existe ainda outro elo muito forte, que é o da religião; sob a forma muçulmana, católica ou ortodoxa, o espectador é convidado a assistir a missas de "godspell", a orações na Mesquita ou na Igreja dos Anjos, uma missa que é especialmente celebrada para os cristão ortodoxos. Penso que a Fé deve constituir um elemento de esperança muito forte na vida destas pessoas, a quem pouco mais resta do que acreditar que um dia, qualquer coisa de bom vai acontecer, e as suas vidas vão, efectivamente, melhorar.

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