domingo, outubro 29, 2006

 

«ALERTA, TÁXI À VISTA!»

Nunca gostei muito de andar de táxi porque os achava podres de caros, de velhos, e de desconfortáveis, para além de normalmente ter de levar com um motorista rezingão que ouvia rádio aos berros e pulverizava o ar com ambientador da loja dos trezentos.
Tenho, agora, uma razão acrescida para preterir este meio de transporte: a falta de controlo psicológico como pré-requisito na profissão de ser taxista, faz com que nos deparemos com situações assaz…estranhas. Senão, vejamos;
Esta semana tive de apanhar um táxi do Arco do Cego até ao Rato. Ainda só íamos no Liceu Camões, quando começou o disparate: na rádio, a Adriana Calcanhoto cantava «Eu não existo longe de você/ E a solidão é o meu pior castigo…». Eis senão quando, um par de olhinhos marotos começam a procurar os meus através do espelho retrovisor, enquanto cantarolam em perfeita sintonia com a cantora «…Eu conto as horas para poder te ver/ Mas o relógio está de mal comigooooo…».
Eu não queria acreditar – por uma fracção de segundo, senti-me tentada a perguntar-lhe o que é que ele pensava que estava a fazer, mas o facto de ainda mal irmos a meio do percurso fez-me logo mudar de ideias, e optar por um plano B: abrir a janela, enfiar a cabeça de fora, «à cão», e fingir-me interessadíssima pela paisagem lá fora.
O meu amigo, contudo, era preserverante na cantilena: não se calou até chegarmos ao destino, deu para a música acabar, começar uma nova, e – aquando da despedida – se despedir com um «Então até à próxima, minha linda!». Enfim, não posso dizer que a minha auto-estima tenha propriamente disparado até aos píncaros, mas pior foi o «colega» que apanhei nesse mesmo dia, da parte da tarde;
Desta feita vinha de Belém para o centro da cidade, e a primeira coisa que o homem disse assim que arrancou foi que «Tinha muito bons motivos para se suicidar, ali e então», assim, à laia de cumprimento. Eu fiquei lívida, a primeira coisa que me ocorreu responder foi um «Bem, pelo amor de deus espere até acabar a corrida».
Mas o tipo não desarmou – fez questão de partilhar comigo todas as maleitas da sua vida, a começar com o pai que se matara quando ele era criança, até à mulher, que definhava «ligada à máquina» no hospital, tudo isto acompanhado de estalares de língua e limpar de unhas (com 1cm de comprimento, acrescente-se).
Quando entrámos em Monsanto, ele lá resolveu mudar de assunto, e passar da fase sentimental à agressiva, altura em que começou a disparar sobre tudo o que detestava, desde «…os pretos, aos ciganos», até «…essa gentalha toda que agora vem aí por Portugal adentro».
Estava no meio dum bosque deserto com um nazi suicida, portanto. «A perspectiva não podia ser mais animadora», pensava eu. Que naif. Lembrei-me que talvez não tivesse dinheiro que chegasse para pagar a conta, portanto – e também como pretexto para mudar de assunto – resolvi informá-lo do assunto, descansando-o em seguida de que pararíamos em frente a uma caixa multibanco quando chegássemos ao destino.
«Deixe lá menina, também não é por isso que vamos ter porrada», disse ele. Sem perceber se falava a sério ou a brincar, tratei de responder-lhe que também não era caso para tanto. O que eu fui dizer…! A seguir ouvi o episódio dos «últimos clientes que ele tinha espancado», em frente ao BBC, de noite, devido a um casal que não queria sair do seu táxi, a cena toda acabou quando ele espetou com a porta traseira na cabeça do cliente, e fez a namorada deste «…voar até à grelha do carro da frente, que até parecia um passarinho!», resumiu ele, não sem uma pontinha de «orgulho de machão». Aí eu fiquei pura e simplesmente siderada, não sabia se havia de rir ou de chorar, portanto optei pela primeira, aprumei o meu melhor sorriso amarelo e fiz figas para que chegássemos depressa ao momento da despedida.
Conclusão: doravante, quando tiver sem carro e o metro estiver outra vez de greve, espeto o polegar e apanho boleia, que a probabilidade de apanhar um maluco, relativamente a um taxista, não deve ser tão maior!!

 

«O JANTAR DO MORTO»

Apesar deste ser um tema que não entusiasma propriamente a maioria das pessoas, é algo que, mais tarde ou mais cedo, acaba sempre por interferir com as nossas vidas, porque afecta algum familiar ou amigo que nos é querido.
Habitualmente, a nossa cultura/religião faz com que toda a cerimónia que envolve o ritual de despedida seja fúnebre e triste, escuro e dramático.
Vêm estas reflexões a propósito de hoje fazerem onze anos que partiu a pessoa mais próxima em termos de grau familiar. Recordo esse dia como se fosse hoje: tinha treze ou catorze anos, e tudo correu como na maioria das outras famílias portuguesas, suponho: lágrimas e tristeza, luto e mais lágrimas, missas, velório e enterro, telegramas de pêsames e telefonemas curtos e de mensagens formais e contidas. E mais lágrimas ainda.
Em conversa com uma alemã, contava-me ela que, quando o avô morrera, a família fizera uma espécie de almoço volante, com todas as pessoas que lhe eram próximas, e durante a tarde contaram-se anedotas e histórias relacionadas com o falecido, e no fim do dia, quando a casa ficou vazia, a família sentira – a par da normal tristeza pela perda recém sofrida, é certo – um aconchego espiritual incomparável a quinhentas missas rezadas ou papéis acumulados com mensagens de «condolências sentidas».
Penso que já todos vimos, pelo menos uma vez, cenas destas acontecerem nos filmes americanos, e – longe de ser uma apologista da sua cultura – acho que esta é uma alternativa bastante saudável ao que estamos habituados, uma vez que aquilo que mais queríamos (a pessoa de volta), é impossível.

P.s. À cerimónia supra descrita, equivalente aos nossos serviços funerários, apelida-se de «Jantar do Morto» (guess que nesta altura já tinham percebido...)

 

«LITTLE MISS SUNSHINE»

Recomendada a ver este filme por um amigo, lá me arrastei numa segunda-feira às dez da noite (the so-called horário pós laboral) até ao Corte Inglês trazendo «pelo pescoço» o meu namorado, esperando mesmo que aquilo valesse alguma coisa (ou a alternativa seria ver um tal de «V de Vedetta» no dia seguinte…).
Valeu muito a pena!
Conta a história duma menina de doze anos cujo sonho é ganhar o primeiro prémio num concurso de beleza de «mini-misses», e assim arrasta toda a família numa road-trip inesperada através de dois dias de viagem pelos Estados Unidos.
A sua «célula familiar» é, entretanto, totalmente destorcida e desequilibrada, exactamente o oposto to “American dream”: o pai um empresário falhado que leva a família à ruína depois de investir todas as poupanças num negócio onde pretende lançar um programa intitulado “Os nove passos para atingir o sucesso”, a mãe uma fumadora inveterada, o irmão um adolescente rebelde e revoltado que resolve fazer um voto de silêncio até conseguir chegar à Força Aérea, até descobrir que é daltónico e ver a sua ambição ir por água abaixo, um tio gay que falha uma tentativa de suicídio após descobrir que o seu namorado o trocou por outro e lhe tomou o lugar académico após a publicação fulgurante dum livro, e por fim, um avó perfeitamente pervertido e tarado, que lê revistas pornográficas enquanto aconselha o neto a «”comer” o máximo de gajas que puder», e snifa cocaína na casa-de-banho, antes de se deitar.
A viagem é o delírio, pois o carácter dos personagens está constantemente a chocar com os dos outros, e com o desenrolar da história nota-se uma clara evolução na maneira de ser de cada um, no sentido de melhor se adaptar À convivência em conjunto como família que são (em comparação com a desagregação inicial), sendo que a única personagem plana acaba mesmo por ser a criança, em torno da qual gira toda a história.

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