sexta-feira, maio 12, 2006

 

A Bela e o Monstro

Encorajada por um amigo/leitor dos meus «papéis», inscrevi-me há uma semana num curso de escrita criativa a fim de dar (mais) largas à minha imaginação. O «dito cujo» - curso, não amigo - é leccionado por uma personagem que se auto-denomina de «poeta» (o que assim de repente soa um bocado presunçoso, acho eu) e cultiva um look deveras intelectual - óculos de massa pretos, melena caída sobre os olhos, roupa alternativa... - o que só quer dizer que é coerente.
Mas esta crónica não é para falar dele, mas das minhas duas colegas de turma, a Mafalda e a Cláudia. Ambas trabalhadoras num banco, estão ali para arranjarem maneiras mais variadas de comunicarem com os clientes.
A Mafalda é a típica «tia», cabelinho escadeado, a cara moderadamente bronzeada, unhas manicuradas, corpo ginasticado, pulseiras douradas com moedas inscritas com a inicial dos filhos, roupa «da moda» e falar afectado. É licenciada, fala sempre pelas duas - vieram juntas tirar o curso, percebe-se que são «velhas amigas» - e não dispensa ter o telemóvel ligado porque «tem negócios», propondo até que se alterassem os horários das aulas em função da SUA disponibilidade. (Que umbigos grandes que certas pessoas têm meu deus...). É a Bela.
A Cláudia é o oposto: gordinha a resvalar para o matrona, calça sapatos rasos e usa roupa discreta e sem corte nenhum, arranja as unhas em casa e usa-as «ao natural», o cabelo está cheio de brancos, na cara os vestígios de maquilhagem são inexistentes. Sem aliança no dedo, presumo que seja solteira. Tem o 12º ano e é assistente da Mafalda. É o Monstro.
Curiosamente, quando os exercícios começam, as duas transfiguram-se. De caneta e papel em riste, a Claúdia leva-nos por caminhos prodigiosos da sua mente cheia de fantasias, é muito divertida a contar histórias, tem humor, espontaneidade e jeito para compôr. Ao contrário, a Mafalda «não dá uma para a caixa», tem dificuldade em cumprir os prazos dados, depois não consegue articular frases eloquentes, não tem capacidade de abstracção nenhuma, enfim...
Tenho muita curiosidade em saber como seria a vida destas duas amigas, que ali têm uma relação perfeitamente simbiótica, se a Cláudia tivesse nascido com as possibilidades da Mafalda - porque ultrapassa-a, de longe, em talento só que não reparou, e se calhar nunca se vai dar conta disso.

quarta-feira, maio 10, 2006

 

«Lisboetas»

Na segunda-feira passada fui ver «Lisboetas», em exibição no NIMAS, com a sala praticamente esgotada, provavelmente devido ao facto do filme ter ganho o primeiro prémio no festival IndieLisboa.
A película começa com uma série de carcaças de carne a serem descarregadas num mercado - mais tarde perceberia, através duma crítica lida, que aquilo era uma metáfora à «carne para canhão» que os imigrantes ilegais são no nosso país, mas não me parece que o intelecto da maioria das pessoas esteja a tão refinado nível. O meu, pelo menos, não estava.
Sucedem-se depois imagens variadas ao longo do documentário, primeiro do desespero que são as burocracias e a impessoalidade/insensibilidade com que são tratadas essas pessoas quando se tentam legalizar; meia dúzia de alunos numa escola de portugueses para estrangeiros; o terminal do Campo Grande ao nascer do sol, onde capachos dos patos-bravos da construção civil tentam "regatear" preços muito baixos para levar homens para as obras (sem contratos nem garantias, tudo trinta e um de boca, claro); um "ké frô?" a vender rosas de mesa em mesa em esplanadas à noite, sendo consecutivamente mal sucedido no seu negócio, e acabando a noite junto de compadres de infortúnio à beira rio, enquanto a cidade dorme; consultas num posto médico móvel sito em Sta Apolónia, onde os pacientes relembram vidas passadas, em que eram - por exemplo - pilotos da Força Aérea, enquanto agora dormem em caixas de cartão e têm os pés em chaga por andarem com sapatos cambados, que não são o seu número, sem meias...
Uma imagem recorrente ao longo do filme são as chamadas telefónicas, feitas de cabines ou de telemóveis, para familiares ou amigos, com promessas de retorno a casa, ou - contrariamente - tentando persuadir o outro a juntar-se cá «onde a vida é muito melhor».
Mas não existe um padrão homogéneo entre os protagonistas: para uns, a vinda para Portugal representa uma derrota, uma vez que eram quadros superiores nos países de origem (europa de Leste, na esmagadora maioria). Para outros representa uma vitória, espécie de sonho tornado realidade, já que viviam em condições (ainda) mais piores (em África ou no Brasil), por muito que isso nos seja difiícil de conceber.
Imagens de crianças brincado na praia ou chapinhando no chafariz do Martim Moniz passam pontualmente, como que evocando uma felicidade ingénua naquele que é o único mundo que conhecem.
Na minha opinião, o documentário está demasiado centrado nos homens. Poucas vezes se vêem mulheres, ou porque estão nos países de origem, cuidando do resto da família e juntado dinheiro para um dia virem também, ou porque pura e simplesmente as suas vidas não são exploradas. É um aspecto onde a realização peca, porque se os homens imigrantes têm perante si o duro mercado negro que é o da construção civil, as mulheres têm o da prostituição, muitas vezes são esposas, mães e trabalhadoras "ex aequo", e dava uma perspectiva mais variada se as abrangesse também. Até porque a sua presença no país não passa nada despercebida.
Para além da clandestinidade e da miséria que liga os personagens, existe ainda outro elo muito forte, que é o da religião; sob a forma muçulmana, católica ou ortodoxa, o espectador é convidado a assistir a missas de "godspell", a orações na Mesquita ou na Igreja dos Anjos, uma missa que é especialmente celebrada para os cristão ortodoxos. Penso que a Fé deve constituir um elemento de esperança muito forte na vida destas pessoas, a quem pouco mais resta do que acreditar que um dia, qualquer coisa de bom vai acontecer, e as suas vidas vão, efectivamente, melhorar.

segunda-feira, maio 08, 2006

 

O «essencial»

Estava eu hoje de madrugada a tomar o pequeno-almoço (segunda-feira é MESMO o dia pior da semana: qual é o universitário que se preze que se levanta às sete da matina e come às escuras porque nem o sol se deu ainda ao trabalho de nascer?...) , sorvendo a minha manga-enfrascada (que nisto da fruta sou muito comodista: se há quem já a descasque por nós, porque irei eu fazê-lo?...) eis senão quando o "tico" e o "teco" - dois dos neurónios mais activos aqui da cabecinha - deram um «clique», apesar da hora matutina, e fez-se luz: como é que eu nunca pensara nisso antes?
Matemática nunca foi o meu forte. Sempre tive mais queda para o português. Ainda assim, há coisas que saltam à vista, e esta é uma delas;
«-Oh mãe, gostas de fruta?
-Sim.
-Porquê?
-Porque é bom.
-Porquê?
-Porque nos dá saúde.
-Para quê?
-Para viver muitos anos contigo.
-Então comes muita fruta?
-Nã...ão...
-Porquê?...»
Acho que já todos corremos para a casa de banho em busca duma gilete com que cortar os pulsos para não ter de ouvir mais este maldito anúncio da criancinha perspicaz. O ponto é que, na explicação técnica que se segue, é dito que cada frasco contém o equivalente a duas peças de fruta descascadas, e eu espanto-me: como é que duas mangas podem equivaler a duas pêras, que por sua vez equivalem a dois morangos? e como se conseguem espremer bananas de maneira a enfiá-las em sumo num frasco? (Se calhar nunca repararam, mas no hipermercado existem sumos de tudo menos de banana. Iogurtes até com pedaços de cereais, mas não de banana. Deve querer dizer qualquer coisa...) Quanto às peras, aos morangos e às mangas: ou estas encolhem como na lavandaria fazem com as das minhas camisas quando se enganam no programa da máquina, ou os morangos sofrem do mesmo milagre da multiplicação que nos tempos bíblicos criou pães e mais pães...
Não sei como tenho vivido sem reparar nisto, mas agora que dei por ela, vou andar num permanente desassossego até que me expliquem o que se passa.

Correcção: dizem que é uma grande virtude saber dar «a mão à palmatória» e eu também acho que sim. Portanto aqui estou, para dizer que acabo de vir do supermercado, e após algumas buscas realizadas constatei que está lá escrito: que um pote de mangas equivale a duas mangas, um de morangos a sete e por aí fora. Menos mau - só falta saber se passaram aí meses a ver quantas bananas conseguiam esmifrar para dentro dum frasco e depois fizeram a média, ou se se limitaram a optar por peças de fruta estandartizadas...:p

domingo, maio 07, 2006

 

Sugestão de fim-de-semana

A nossa política pode ser corrupta, a economia andar nas ruas da amargura e a nossa sociedade ser das que menos garantias usufrui na UE, mas o clima e a comida continuam a ser duas excelentes razões para se continuar a viver em Portugal.
Ontem esteve um dia fantástico: céu azul limpinho, o sol sempre a brilhar lá no alto a aquecer-nos as costas (positivamente, eu até apanhei um «escaldãozinho») e uma brisa a soprar de vez em quando...nem dava para acreditar que ainda estávamos no princípio de Maio!
Quando está assim, só há uma coisa a fazer - atafulharmo-nos dos jornais semanários e respectivos suplementos, atirar com a toalha para a mala do carro e partir rumo a uma esplanada à beira-mar.
Felizmente, sítios prazenteiros para passar tardes assim é o que não faltam, quer na linha como na Costa. Ontem, para variar, fiquei-me pela banda «de cá», começando por almoçar qualquer coisa leve no restaurante recém aberto da praia da Torre, em Oeiras, aterrando depois no areal mesmo em frente, donde só me levantei já depois do sol de pôr.
À chegada a Lisboa vinha com aquela moleza boa no corpo, de quem esteve o dia todo sem fazer nenhum, na cara um «ar-de-mar», a semear areia por todo o lado, enfim - um cheirinho a Verão:)
Boa semana!

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