quinta-feira, maio 25, 2006

 

A sentença

O último dia de aulas do meu curso de Direito culminou com uma actividade que já não praticava para aí há uns 8 ou 10 anos atrás: uma visita de estudo. Fomos assistir a uma audiência no tribunal judicial de Oeiras, que é tido como «um dos melhores» (leia-se, mais célere).
O ponto de encontro estava marcado às nove da manhã, à entrada do tribunal. Às nove e meia ainda não tinham feito a 1ª chamada – não a nossa, obviamente, mas a referente a arguido, testemunhas e demais presentes necessários ao julgamento. Três quartos de hora volvidos, mandaram-nos (finalmente!) entrar. Aquilo quase se parecia com um centro de saúde: nem é assim tão descabida a comparação; afinal, ambos são serviços públicos, com pessoas muito mal-encaradas a circularem dum lado para o outro a braços com resmas de papelada, meia dúzia de cadeiras mal amanhadas e muitas horas de espera pela frente.
Dizia eu, entrámos na sala de audiências, e lá estava o Sr. Jaime Nairidi, 34 anos, ex-segurança da empresa que agora o processava, actualmente desempregado, de origem angolana e acabado de legalizar – fazia ali um mês, dizia ele à Juíza.
Acusado dos crimes de «desobediência» e «resistência à autoridade», discutia-se segunda-feira, dia 22 de Maio de 2006, o que se havia passado dia 10 de Junho de 2003, ou seja, já há alguns mesitos atrás…
Resumindo, uma empresa acusava o seu ex-empregado de ter invadido as instalações sem para tal ter sido convidado, se ter recusado a sair, e – quando a GNR foi chamada para o levar à força – lhe ter resistido, tendo provocado «danos no crachá de dois agentes e leves escoriações no braço dum terceiro, assim como o entorse dum dedo mindinho». Era o que dizia no processo, estou a citar à letra.
Exortado a contar a sua versão da história, o pobre homem lá explicou que a empresa lhe devia 3 meses de salário, era a 4ª vez que lá o ia reclamar, e – sem dinheiro para comer ou pagar o aluguer do quarto onde morava – se negou-se, realmente, a sair de lá sem o dinheiro, tendo-se agarrado à secretária (mesa, não mulher claro) com quanta força tinha quando o tentaram levar à força para a rua. Foram precisos três agentes da GNR para fazê-lo, e mais dois para – em conjunto com os primeiros – o obrigarem a ajoelhar para lhe porem as algemas e levarem-no dali para fora.
Com esta confusão toda, partiram-se dois crachás dos agentes que tentavam imobilizá-lo, e um terceiro terá sofrido uns arranhões no braço, assim como torcido um dedo da mão. O Sr. Jaime, por seu lado, ficou com a rótula do joelho direito descentrada quando o prostraram no chão, foi operado há três anos e está à espera de ser chamado agora para uma segunda intervenção cirúrgica. Coxeia que se farta, ao ponto da Juíza, gentilmente, lhe ter permitido que depusesse sentado.
Eu não teria acreditado se não tivesse visto, o quão hipócritas podem ser certas pessoas (o patrão do Sr. Jaime, neste caso) ao ponto de processarem um homem que passa necessidade por sua culpa, e ainda ficou gravemente ferido devido à desnecessidade da força usada.
A Juíza absolveu-o, e o desgraçado lá viu sair-lhe de cima, ao fim de 3 anos, a sombra dum processo que lhe custaria, decerto, os olhos da cara subvencionar. E abandonou a sala a mancar, esperando agora a sua vez de ser chamado no hospital.

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