domingo, julho 02, 2006

 

O desfile anacrónico. Escrito por: um febril (quase) cómico

Há algumas semanas atrás, estava lendo os jornais de domingo quando me defrontei com uma passagem verdadeiramente deliciosa duma socióloga muito conhecida na nossa praça; dizia ela que desde cedo se tinha apercebido padecer dum síndrome que denominou de «snobismo social». “Pobrezinha”, pensei eu, “Que vida infeliz deve levar, uma pessoa de intelecto tão elevado que jamais a maioria dos mortais almejará alcançar…!”
Ontem mesmo, folheava a “Visão” e – espanto dos espantos – não é que descobri que a doença é virulenta, e se espalha qual pandemia das aves?
Então foi assim:
Na sua habitual crónica no periódico, António Mega Ferreira (doravante denominado AMF, ainda que corra o perigo de confundirem o senhor com um milícia armada qualquer) desmonta as marchas populares, parte-as em tirinhas e analisa-as friamente, à luz da sua lupa pseudo-intelectual. Em poucas palavras, enxovalha quem nelas participa e a quem elas assiste, apelidando-as – basicamente – de saloias e antiquadas, para além de profundamente anti-culturais, claro. Sugere que sejam erradicadas da véspera de S. António, e em seu lugar se faça uma espécie de «espectáculo multicultural vanguardista». Pelo menos foi isto que a minha inteligência mediana conseguiu atingir.
O que achei mais piada, e me levou por isso a partilhar aqui esta história, é que estou farta de ler AMF exortando antigos escritores e pintores, músicos e artistas, tudo é Wagner para cá, Eça de Queirós para lá, e a chamada «cultura popular» fica reduzida a uma pimbalhada típica de povoléu, ignorantes de pé descalço, que vibram com factos como Portugal ter sido qualificado para os quartos de final do Mundial e coisas assim.
Porque não experimenta AMF mergulhar de cabeça na cultura que o rodeia e tentar extrair dela algo mais do que críticas presunçosas? Ou será que um dia destes lerei um excerto seu, sugerindo que no S.João, em lugar de martelos e alhos-porros, as pessoas peguem em flautas e trauteiem melodias suaves a noite inteira pela Av.dos Aliados fora, qual Hamlet’s?

P.s. Só mais uma coisinha – «repensar completamente» algo não é uma perífrase (tola) equivalente a «exterminar»? A mim, parece-me que sim. Se pegarmos num evento, e o «repensarmos completamente», quando terminarmos tê-lo-emos «exterminado», somente o nome – a casca – permanecerá. Mas talvez eu esteja enganada, e AMF tenha um jeito inato para a política e ainda não o tenha descoberto…

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