domingo, julho 02, 2006

 

SNS - Serviço Nacional de Sadismo

Finalmente percebi (uma das razões) porque toda a gente foge de fazer análises e check-ups gerais como o diabo da cruz – é que, para além de se levantar cedo, jejuar, beber muita água ou não se lavar, esperar horas em cadeiras tortas só com velhinhos a gemer até ser a nossa vez de as ir fazer, para depois ser picado, apertado, esmiuçado, ou esburacado, e no fim pagar uma pipa de massa com ar de que nada se passa, em Portugal quem não tenha possibilidades (GRANDES possibilidades, por sinal), pode simplesmente definhar até à morte sem que ninguém se importe porque os serviços não se conjugam, e por mais que os governos se revezem, na saúde nada mudam.
Acabadas as aulas, as férias para exames, os exames e as férias grandes de novo, lá tomei coragem para ir fazer um punhado de análises receitadas pela médica.
Aproveitando um destes dias nebulosos que insistem em toldar o céu e encrespar o mar, pelo que tornam de todo impossível qualquer possível investida até à praia, lá me resignei a ir até à clínica onde a médica dá consulta.
Viagem 100% desperdiçada. Uma vez atravessada a cidade, directamente da Estrela até à Estrada de Benfica, fui gentilmente informada que ali não se aceitava ADSE (da qual sou beneficiária), mas apenas MEDIS. O meu ar derrotado deve ter sido tão perceptível, que a secretária me estendeu uma folha cheia de endereços de laboratórios onde de alguns constava a indicação «acordos com ADSE».
Munida desse Guia Analítico, fiz-me à estrada, começando pela «rua das Picoas», por ser a mais próxima. «Oi minina, djiga», saúda-me a recepcionista brasileira. Tento soletrar o nome complicado da análise que quero fazer. «Qui idêia vi aqui agora», responde-me ela num meio sorriso, «Isso daí só dá pa fazê dji manhã, noss djiass úteiss, dás oito e mêia ais deiz». «E onde está o aviso disso?» pergunto eu. «Não istá. Daí eu lhe tá a djizê, pra você não tê qui voltá dji novo, indo imbora sem nada, né?».
É, é. Mais uma investida mal sucedida, foi o que foi. Para além do tempo perdido. Passo então à seguinte análise, que não se podia fazer no mesmo sítio porque «não era da especialidade». Como na folha só aparece o telefone, ligo para perguntar da morada (e já agora inteirar-me que estou no horário certo). Depois de me dizer, com uma voz muito seca e cortante, onde ficava sita a clínica, a telefonista responde-me com um tom de «és mesmo burra, chiça!», quando lhe pergunto se ainda estou a horas de lá ir: «Ecografias só fazemos por marcação». Pergunto então quando têm vaga. «Isso só dia trinta do próximo MÊS», diz ela. «Só pode ser brincadeira» penso eu, atónita e a pensar que, quando tivesse finalmente todos os exames prontos a tempo de os mostrar à médica, estes teriam perdido a validade por deixarem de poder ser considerados «recentes».
Foi a gota de água que fez transbordar o copo, estar-me nas tintas para a ADSE e para a MÉDIS, largar um valente par de contos de réis e marcar tudo para dali a dois dias, na primeira clínica a que fui. Sem deixar de pensar em todos os desgraçados que vivem neste país e precisam mesmo de fazer exames com urgência, devido a problemas de saúde graves que têm, mas sem dinheiro para recorrerem a clínicas particulares. Mas claro que o Ministro da Saúde tem muito mais que pensar. Por exemplo, como encaixar todas as reuniões chatas e jantares «oficiais», a tempo de se escapulir para a Alemanha, a fim de ver as meias-finais do Mundial.

Comments:
Numa coisa está enganada. Não viu nem virá o ministro da saúde na alemanha. Ele nem gosta de bola... agora já pode ir calmamente ao médico
 
Não há dúvida de que caminhamos para a privatização da Saúde. Quer se queira ou não, toda a onda de cursos superiores (sejam cursos sérios, sejam outras coisas quaisquer) transformam a nossa mente portuguesa de que qualquer um que seja doutor tem que ter os seus privilégios;tivéssemos nós uma sociedade q n ligasse aos títulos contínuariamos com certos serviços (realmente) acessíveis a todos e para todos.A Saúde privada até pode ser o caminho a atingir, até porque convenhamos os gastos desnecessários com a Saúde saem-nos do bolso, mas o que realmente deve ser um objectivo para a nossa sociedade é uma Saúde de facto acessível a todos e disponível (no mais curto espaço de tempo) para todos.
 
Não tenho bem a certeza a quem respondo, mas penso ser essa a intenção, uma vez que a pessoa se identificou como «anónima», mas isso tb não é importante - o que queria mesmo deixar escrito, é que folgo imenso em saber que o Sr Ministro não aprecia o futebol, porque assim só as grávidas (com o fecho das maternidades) e os velhinhos (com o fecho das morgues) correm riscos nos próximos dias. E eu posso considerar-me uma sortuda, uma vez que não faço parte de nenhum destes dois grupos, ufa!
 
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