domingo, outubro 08, 2006

 

Reflexões

Não é novidade para ninguém; tanto mais, que – assim que ouvimos falar disso – acenamos impacientemente que sim com a cabeça, e passados cinco minutos (senão menos), já «passámos à frente», a um assunto decerto muito mais interessante e apelativo.
Refiro-me ao fenómeno (cada vez mais premente) da pobreza e da exclusão, que toma proporções assustadoras todos os dias, muita gente se preocupa, muitas associações de ajuda se formam, propostas de leis se discutem, mas também muito pouco se continua a fazer, proporcionalmente ao número de desgraçados que vão parar à miséria e ocupam as ruas noite e dia, todos os dias.
No bairro onde trabalho, na zona do Marquês de Pombal, quando o sol nasce é ver executivos engravatados e senhoras empoleiradas nos seus saltos altos periclitantes e cheirando a perfumes caros. Mas mal a noite cai, à ida para casa, é raro o dia em que não veja uma caixa de cartão cobrindo um corpo nauseabundo dum mendigo que se refugia no vão do mesmo prédio onde há poucas horas atrás se transaccionaram avultados negócios valendo milhares de euros – que irónico, não é?
Da mesma forma, ontem à noite, quando dei um salto ao Bairro Alto, deparou-se-me a maior balbúrdia de gente, resultado de véspera de feriado, começo das aulas na faculdade, etc, e paralelamente a estes festejos pós-laborais, cruzei-me ao mesmo tempo, com um par de namorados que desciam a rua do Alecrim todos aprumados para irem a uma qualquer festa, e outro casal que se cobria com um cobertor de cor indistinguível, tentando conciliar o sono nos degraus duma escadas, no meio daquele bulício humano.
O dia hoje desperta calmo, devido às escolas estarem fechadas e a maior parte das pessoas não trabalhar. Uma volta ao quarteirão dá para ter (mais) uma (triste) panorâmica da realidade actual: no jardim da Estrela, enquanto tomamos um café no quiosque, um senhor viúvo dos seus 40 anos pede que lhe paguem uma refeição à filha de 12 anos, ambos morando «por aí», dormindo «onde calha». No portão, à saída, uma rapariga mais ou menos da minha idade, cabelo desgrenhado e pele curtida pelo sol, vende pensos para feridas em troca duma esmola. Por fim, chegando a casa, à porta do supermercado, uma mulher de lenço na cabeça e olhar vazio de esperança, está sentada de pernas cruzadas com um cartaz onde se pode ler «sou de Leste, tenho marido e duas filhas, e muita fome. Ajudem-me por favor».
Uma boa imagem para gravarmos na memória sempre que o dia «não nos tiver a correr bem». Mas também um desafio intelectual para cada um de nós, pensando em como podemos ajudar, de forma sustentada e construtiva, estas pessoas, que afinal podíamos ter sido nós. Foi só uma questão de sorte, de terem nascido no lugar errado, à hora errada.

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